Nunca vou esquecer o dia em que tropecei (literalmente) na Praia do Cassino. Era janeiro de 2019, eu estava de férias forçadas – meu chefe havia “sugerido” que eu tirasse minhas férias acumuladas ou as perderia. Com a mochila nas costas e um guia de viagem amassado no bolso, peguei um ônibus de Porto Alegre sem destino certo. Cinco horas depois, um cara com cheiro de sardinha e sotaque carregado do sul me perguntou: “Tu vai descer no Cassino, né?”. Cassino? Pensei em cartas, dados e aquelas máquinas que fazem “plim-plim”. Por que não? Desci.
O que eu não sabia é que a Praia do Cassino não tinha absolutamente NADA a ver com jogos de azar (descoberta decepcionante para alguém que guardou R$100 separados para tentar a sorte). Em vez de caça-níqueis, encontrei 220 quilômetros de areia dourada se estendendo até onde meus olhos míopes conseguiam enxergar. Sem óculos – que esqueci no banheiro do ônibus – a vastidão dessa praia parecia ainda mais impressionante… ou talvez infinita demais para alguém com meu condicionamento físico questionável.
A Praia do Cassino fica em Rio Grande, Rio Grande do Sul, aquele estado no finzinho do Brasil onde as pessoas tomam chimarrão como se fosse água e dizem “tu” em vez de “você”. Descobri que é literalmente a praia mais comprida do mundo – algo que os moradores locais mencionam a cada 7,5 minutos de conversa, com o peito estufado de orgulho. E não é para menos! A primeira vez que tentei caminhar de uma ponta a outra, desisti depois de duas horas quando percebi que tinha avançado o que parecia ser 0,03% da distância total. Meus tênis ainda guardam areia desse dia, três anos depois.
O nome “Cassino” vem de um antigo cassino que existia por ali no início do século XX, quando apostadores elegantes chegavam de trem para perder dinheiro com estilo. Hoje, o único jogo de azar que você encontra é apostar se vai conseguir achar seu guarda-sol depois de um mergulho – naquela imensidão de areia, todos os pontos de referência parecem idênticos. Aprendi isso do jeito difícil quando passei 40 minutos procurando meu spot, só para descobrir que estava olhando para o guarda-sol de uma família argentina que, educadamente, me ofereceu mate enquanto eu tentava explicar minha confusão em portunhol improvisado.
Se você não quer repetir minha epopeia de pegar ônibus errados e descer em pontos aleatórios baseado na dica de estranhos cheirando a peixe, aqui vai a forma CORRETA de chegar à Praia do Cassino: de Porto Alegre, são aproximadamente 320 km de estrada. Se você tiver carro (eu não tinha porque, bem, São Paulo me ensinou que carro é um luxo desnecessário), pegue a BR-116 e depois a BR-392. O caminho é bem sinalizado, o que significa que até eu conseguiria chegar sem me perder – teoricamente.
Na minha segunda visita (sim, voltei, porque aparentemente sou masoquista e adoro longas viagens de ônibus), descobri que existe um aeroporto em Rio Grande! AEROPORTO! Por que ninguém me contou isso antes? Poderia ter economizado seis horas de viagem sentado ao lado de um senhor que insistia em me contar sobre cada uma de suas 17 cirurgias de joelho. O Aeroporto Internacional de Rio Grande recebe voos diários, mas atenção: são poucos voos, então reserve com antecedência ou você acabará como eu: implorando por uma vaga no ônibus, prometendo ao motorista que não se importa de ir em pé (mentira descarada, me importo MUITO).
Depois de superar meu trauma inicial de quase não encontrar o caminho de volta para a civilização (exagero? talvez, mas você não estava lá), descobri que a Praia do Cassino oferece muito mais do que apenas uma extensão infinita de areia para testar seu GPS interno:
Apesar de todos os meus dramas e exageros, a Praia do Cassino conquistou um lugar especial no meu coração de viajante desastrado. Diferente das praias de Florianópolis onde você mal consegue estender sua canga sem tocar em três desconhecidos, ou do Rio de Janeiro onde precisa fazer reserva para conseguir um metro quadrado de areia, o Cassino é um luxo de espaço.
Em um dos dias, acordei às 5h30 (um milagre para alguém que considera “manhã” qualquer horário antes do meio-dia) para ver o nascer do sol. Caminhei até a beira da água, completamente sozinho, exceto por um cachorro vira-lata que decidiu me adotar temporariamente. Enquanto o sol pintava o céu de laranja e rosa, tive uma daquelas epifanias baratas de viajante: “caramba, a vida é mesmo incrível”. Durou cerca de 15 segundos, até uma onda gelada pegar-me desprevenido e molhar meu único par de tênis. A propósito, tênis molhados com areia são excelentes para desenvolver bolhas do tamanho de uvas.
Fui em janeiro, no auge do verão, e mesmo assim peguei dias em que a temperatura despencou para 15°C com um vento cortante que parecia vir direto da Antártida. Descobri depois que o clima no sul é mais instável que meu humor antes do café da manhã. Os locais me disseram que de dezembro a março é “mais seguro”, mas leve sempre um casaco. Sim, SEMPRE, mesmo que o termômetro marque 35°C quando você sair do hotel. O vento pode mudar em questão de minutos, transformando seu paraíso tropical em uma versão gaúcha do Polo Norte. Aprendi isso quando tive que comprar um moletom horroroso com a frase “Eu ❤️ Cassino” porque estava tremendo tanto que meus dentes pareciam castanholas.
A Praia do Cassino tem uma infraestrutura… digamos… interessante. Na área central, você encontra tudo: hotéis, restaurantes, lojas. Fiquei numa pousada administrada por dona Clotilde, uma senhora de 70 anos que insistia em me acordar todos os dias com café fresco e histórias sobre como “na minha época, jovens não dormiam até as 10h”. Nos restaurantes à beira-mar, comi o melhor pescado da minha vida, servido por garçons que pareciam sair direto de um filme dos anos 80, com uniformes impecáveis e uma formalidade que me fazia sentir mal por estar usando shorts e chinelos.
PORÉM – e este é um grande porém – se você se afastar do centro, prepare-se para o básico do básico. Numa das minhas caminhadas “aventureiras”, fiquei três horas sem ver um único quiosque, banheiro ou sequer uma alma viva. Quando finalmente encontrei um pequeno bar, implorei por água como se estivesse perdido no deserto por semanas, para o divertimento do proprietário que obviamente reconheceu mais um turista despreparado.
A pesca no Cassino é SÉRIA. Não é aquela brincadeira de turista que você faz para postar no Instagram. Conheci o seu Adalberto, 68 anos, que pescava ali há mais de cinco décadas. Quando perguntei inocentemente se ele pegava muitos peixes, ele me olhou como se eu tivesse questionado se água molha. “Ano passado peguei um bagre de 12 quilos, guri. O bicho quase me puxou pro mar.” Achei que era história de pescador até ele me mostrar a foto no celular – sim, seu Adalberto tinha um smartphone mais moderno que o meu e sabia usar melhor também.
Tentei pescar sob a supervisão dele e, para minha surpresa (e dele também, claramente), consegui pegar um peixe pequeno após duas horas. A experiência foi tão triunfal que decidi que aquele peixe seria meu jantar, até descobrir que: 1) não sabia limpar peixe; 2) não tinha onde cozinhar; e 3) aparentemente existem regras sobre tamanho mínimo para manter o que você pesca. Seu Adalberto gentilmente devolveu meu troféu à água enquanto me explicava conceitos básicos de preservação ambiental, provavelmente questionando as falhas do sistema educacional que produziram um adulto tão ignorante sobre assuntos básicos de sobrevivência.
Durante minha estadia, observei famílias com crianças e tive sentimentos mistos. Por um lado, vi pequenos pirralhos tendo o tempo de suas vidas construindo castelos de areia gigantes, correndo pela praia com pipas coloridas, e tendo mais energia depois de seis horas sob o sol do que eu após 12 horas de sono. Por outro lado, também vi crianças entediadas depois de 20 minutos, reclamando sobre a falta de Wi-Fi, parques aquáticos ou qualquer coisa eletrônica que piscasse.
Um pai exausto – Roberto, contador de São Paulo – me confidenciou enquanto seus gêmeos de 8 anos brigavam pela quinta vez em uma hora: “Traga as crianças, mas traga também jogos, livros, e talvez um sedativo… para você mesmo.” Ele tinha razão. A Praia do Cassino é perfeita para famílias, desde que seus filhos ainda saibam se divertir sem uma tela na frente do rosto. E se não souberem, bem, 220 km de praia dão muito espaço para correr até cansar.
Na minha primeira tentativa de alugar uma prancha de bodyboard, paguei R$50 por duas horas – descobri depois que o preço normal era R$25. O vendedor viu meu sotaque paulistano e provavelmente meu desespero por diversão aquática, e dobrou o preço. Na segunda vez, fui mais esperto: primeiro, observei os locais alugando equipamentos, ouvi os preços, e só então me aproximei, já com o dinheiro trocado na mão e um “bah” forçado no começo da frase para parecer gaúcho.
A melhor dica que recebi foi de uma garota chamada Jenifer (com um “n” só, como ela fez questão de especificar) que trabalhava na lanchonete perto do meu hotel: “Os quiosques azuis são mais caros mas o equipamento é novo; os amarelos são mais baratos mas às vezes a prancha tem conserto com fita adesiva; e nunca, NUNCA alugue dos caras sem quiosque que ficam andando pela praia.” Segui seu conselho e funcionou perfeitamente – exceto pela parte em que descobri que não tenho absolutamente nenhuma coordenação motora para esportes aquáticos.
Se você, ao contrário de mim, tem bom senso, planejamento e noções básicas de geografia, a Praia do Cassino será uma experiência incrível. E mesmo se você for como eu – desorganizado, despreparado e com tendência a se perder em linhas retas – ainda assim será uma das melhores viagens da sua vida. Só não esqueça protetor solar. Meu nariz descascando três semanas depois é prova viva disso.